Após fuga de detentos, governo da Bahia afasta diretores de presídio


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Após a fuga de 16 presos do complexo penal de Eunápolis, no sul da Bahia, o secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap), José Castro, afastou por 30 dias a diretora, Joneuma Neres, o diretor adjunto, Elton Rocha, e o coordenador de segurança da unidade, cujo nome não foi divulgado. O policial penal Jorge Magno Alves Pinto assumiu interinamente (por 30 dias) a direção da unidade. 

O objetivo é fazer uma intervenção no presídio para “assegurar a preservação da ordem, da regularidade e normalidade administrativo do complexo penal”. O afastamento da diretoria, segundo o secretário estadual teve a finalidade de garantir a imparcialidade nas investigações.

Fuga com fuzis

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José Castro determinou a instauração de uma sindicância para apurar a ocorrência de invasão e fuga de presos na noite da última quinta-feira (12). Na ocasião, homens armados até de fuzis conseguiram entrar no presídio e abrir duas celas, de onde fugiram os 16 presos. 

O complexo em Eunápolis funciona em regime de cogestão do estado com a empresa privada Reviver. Em entrevista à Agência Brasil, na sexta (13), o presidente da empresa, Odair Conceição, disse que o ataque contra o complexo penal teve características inéditas pela violência como ocorreu. “É algo inédito na Bahia. Não se tem notícia de uma fuga orquestrada com o tamanho aparato de guerra”. Não houve feridos. 

Limitação

Odair Nascimento explicou que a área do complexo penal é restrita e com proteção. “Mas, em função do aparato balístico que eles tinham, eles saíram abrindo caminho com tiros em série. Houve naturalmente limitação do poder de resposta”, disse.

Em nota, a secretaria estadual informou que trabalha de forma integrada com a Secretaria de Segurança Pública, em apoio à Polícia Civil nas investigações e também à Polícia Militar, que busca recapturar os fugitivos. Até este sábado, sem sucesso.

Prisão de Braga Netto é mantida após audiência de custódia


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O general e ex-ministro Walter Braga Netto passou por audiência de custódia neste sábado (14), conduzida por um juiz auxiliar do gabinete de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou a prisão de Braga Netto. 

A prisão preventiva de Braga Netto foi mantida, informou o STF. Ele ficará detido no Comando Militar do Leste, no Rio de Janeiro.

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Braga Netto foi preso pela Polícia Federal, pois estaria obstruindo a investigação sobre a tentativa de golpe de Estado no país para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva. 

A Polícia Federal identificou que o general, indiciado por ser um dos principais articuladores do plano golpista, tentou obter dados sigilosos da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, como forma de “impedir ou embaraçar as investigações em curso”, conforme decisão de Moraes que embasou a prisão. 

De acordo com o relatório da Polícia Federal, há “diversos elementos de prova” contra Braga Netto, que teria atuado para impedir a total elucidação dos fatos e “com o objetivo de controlar as informações fornecidas, alterar a realidade dos fatos apurados, além de consolidar o alinhamento de versões entre os investigados”. Entre eles, trocas de mensagens com pai de Mauro Cid para conseguir detalhes da delação e repassado dinheiro “em uma sacola de vinho, que serviria para o financiamento das despesas necessárias à realização” do plano de golpe. 

General da reserva, Braga Netto foi candidato à vice-presidente em 2022 na chapa com Jair Bolsonaro. Antes, foi ministro-chefe da Casa Civil, de 2020 a 2021, e ministro da Defesa, de 2021 a 2022. No indiciamento, a Polícia Federal apurou que uma das reuniões realizadas para tratar de suposto plano golpista teria sido realizada na casa do militar em novembro de 2022.

Prisão

A Polícia Federal prendeu, na manhã deste sábado (14), o ex-ministro da Defesa e general Walter Braga Netto. Ele foi preso no Rio de Janeiro. A PF realizou buscas na casa do general, em Copacabana.

Os agentes cumpriram ainda mandado de busca e apreensão na residência do coronel Flávio Peregrino, assessor direto de Braga Netto, em Brasília. 

Em relatório enviado ao STF, no mês passado, a Polícia Federal apontou que Braga Netto teve participação concreta nos atos relacionados à tentativa de golpe de Estado e da abolição do Estado Democrático de Direito, inclusive na tentativa de obstrução da investigação.

Defesa 

A defesa do general  Walter Braga Netto divulgou uma nota, na tarde deste sábado (14), em que nega obstrução nas investigações e que irá se manifestar no processo. 

Veja quais são as provas que levaram à prisão de Braga Netto


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A audiência do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, no último dia 21 de novembro, trouxe novidades que foram fundamentais para o elenco de provas que levou o general Walter Braga Netto à prisão, neste sábado (14). 

A tentativa de obter dados sigilosos da delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, foi caracterizada como ação de obstrução da Justiça, ao “impedir ou embaraçar as investigações em curso”, apontou o relator do inquérito, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). 

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De acordo com o relatório da Polícia Federal, há “diversos elementos de prova” contra Braga Netto, que teria atuado para impedir a total elucidação dos fatos e “com o objetivo de controlar as informações fornecidas, alterar a realidade dos fatos apurados, além de consolidar o alinhamento de versões entre os investigados”. 

“Intensa troca”

Para chegar a essas provas, os policiais federais realizaram perícia no celular do general Mauro César Lourena Cid, pai do coronel que trabalhava com Jair Bolsonaro. Havia “intensa troca de mensagens” via aplicativo de mensagens, que foram apagadas e depois recuperadas pela PF. O tema principal era a respeito do desvio de joias por parte de Bolsonaro, em agosto de 2023.

A PF identificou que o nome de Braga Netto estava salvo na agenda do general Lourena Cid como “Walter BN”. 

Outras conversas recuperadas ocorreram em 12 de setembro, quando o general Mário Fernandes disse ao coronel reformado Jorge Kormann que os pais de Mauro Cid ligaram para os generais Braga Netto e Augusto Heleno, ex-ministro na gestão Bolsonaro, informando que a divulgação do conteúdo da deleção por parte da imprensa era “tudo mentira”.

Perguntas e respostas

A PF argumenta que Braga Netto tentou obter os dados do acordo por meio de familiares do coronel Cid, o que foi determinante para a prisão. Outra prova encontrada foi na sede do Partido Liberal (PL), em Brasília, na mesa do coronel Flávio Peregrino, assessor direto do general Braga Netto. 

Era uma folha com perguntas (supostamente feitas por Braga Netto) e respostas (que seriam de autoria de Mauro Cid).

Entre as perguntas: “O que foi delatado?”, com a seguinte resposta: “Nada. Eu não entrava nas reuniões. Só colocava o pessoal para dentro”. Há outras cinco questões pedindo mais informações sobre o que a PF dispunha. 

O ex-ajudante de ordens disse, em depoimento à PF, que as respostas não foram escritas por ele. 

“Talvez intermediários pudessem estar tentando chegar perto de mim, até pessoalmente, para tentar entender o que eu falei, querer questionar, mas como eu não podia falar, eu meio que desconversava e ia para outros caminhos, para não poder revelar o que foi falado”, disse Cid para o delegado da PF Fábio Shor.

Conversa com o pai de Mauro Cid

O ministro Alexandre de Moraes argumentou na decisão pela prisão que, na oitiva, realizada na Polícia Federal, Mauro Cid havia confirmado que Braga Netto tentou obter os dados sigilosos com o pai, Lourena Cid. No depoimento para o delegado Fábio Shor, Mauro Cid disse que o contato ocorria por telefone, já que o pai mora no Rio de Janeiro, e Braga Netto estava em Brasília. 

O general Cid, no último dia 6 de dezembro, também confirmou que foi procurado por Braga Netto.

Operação “Punhal Verde e Amarelo”

A PF defendeu que, além das novas provas indicarem a atuação criminosa do general, o novo depoimento de Mauro Cid apontou que o candidato a vice-presidente, na chapa de Bolsonaro em 2022, financiou os recursos necessários para a organização e execução da operação “Punhal Verde e Amarelo” (plano golpista elaborado por militares para impedir a posse do presidente Lula).

Dinheiro em sacola de vinho

“O general repassou diretamente ao então major Rafael de Oliveira dinheiro em uma sacola de vinho, que serviria para o financiamento das despesas necessárias à realização da operação”, apontou a PF, que constatou que o dinheiro foi utilizado para compra de celular (para a ação criminosa) e de chips para a comunicação entre os integrantes do grupo. Os pagamentos também foram realizados em espécie. 

Ainda, de acordo com as investigações, Braga Netto foi um protagonista para o planejamento e financiamento de um golpe de Estado, o que incluía a detenção ilegal e possível execução do ministro Alexandre de Moraes (então presidente do Tribunal Superior Eleitoral), “com uso de técnicas militares e terroristas, além de possível assassinato dos candidatos eleitos nas eleições de 2022 (Lula e Alckmin)”.

Papel de liderança

Segundo Moraes, os desdobramentos da investigação, a partir da operação “Contragolpe”, e os novos depoimentos de Mauro Cid “revelaram a gravíssima participação de Walter Souza Braga Netto nos fatos investigados, em verdadeiro papel de liderança, organização e financiamento, além de demonstrar relevantes indícios de que o representado atuou, reiteradamente, para embaraçar as investigações”.

O ministro do STF argumenta na decisão que, pelas provas obtidas, a atuação do general está relacionada, “especialmente, com as ações operacionais ilícitas executadas pelos investigados integrantes de Forças Especiais”. 

Moraes ainda recorda que, na casa de Braga Netto, reuniram-se os militares com formação em forças especiais do Exército, no dia 12 de novembro de 2022, para planejar as ações de monitoramento contra as autoridades.

Defesa do general

A defesa do general  Walter Braga Netto divulgaram uma nota, na tarde deste sábado (14), em que nega obstrução nas investigações e que irá se manifestar no processo. 

Frei Betto: segmento dos indígenas foi o mais atingido pela ditadura

Ao todo, são 79 livros editados no Brasil. Um deles, foi selecionado através de votação popular para guiar uma mesa de conversa: Tom Vermelho do Verde. Na quarta-feira (11), as palavras do frade dominicano, jornalista e escritor Frei Betto mobilizaram as atenções na última edição de 2024 do Clube de Leitura, evento realizado pelo Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro. Embora seja um romance, a história narrada na obra escolhida tem como pano de fundo o drama vivido pelos indígenas waimiri atroari durante a ditadura militar.

Lançado em 2022, Tom Vermelho do Verde aborda acontecimentos da década de 1970 que Frei Betto só tomou conhecimento décadas mais tarde. Embora engajado na luta contra a ditadura, mal sabia ele na época dos horrores que a Floresta Amazônica testemunhava. Em entrevista à Agência Brasil, ele diz que hoje considera que os indígenas foram os mais atingidos pela violência empreendida ao longo do governo militar.

Realizado sempre na segunda e quarta-feira de cada mês, o Clube de Leitura tem entrada gratuita, mediante retirada prévia de ingresso na bilheteria. De acordo com Suzana Vargas, mediadora e curadora da iniciativa, o convite aceito por Frei Betto para o último encontro do ano deu ao público a oportunidade de “refletir como a literatura é capaz de elevar a outro patamar nossa consciência existencial e cidadã, muitas vezes ocupada por preocupações puramente materiais”.


Rio de Janeiro (RJ), 12/12/2024 - Suzana Vargas (vermelho) conduz Clube do Livro do CCBB-RJ com Frei Betto. Foto: Alexandre Brum/Clube do Livro CCBB-RJ

Clube do Livro do CCBB-RJ com Frei Betto. Foto:  Alexandre Brum/Clube do Livro CCBB-RJ

Na entrevista concedida à Agência Brasil antes do encontro, Frei Betto transita por múltiplos temas. Conta detalhes sobre Tom Vermelho do Verde e provoca reflexões sobre o período militar e sobre os desafios no mundo atual. Compartilha ainda informações sobre o trabalho que desenvolve em Cuba, voltado para a promoção da soberania alimentar, e chama atenção para a presença da religiosidade na vida das pessoas.

Agência Brasil: Tom Vermelho do Verde é um romance que aborda questões indígenas e ao mesmo tempo faz uma denúncia da violência empregada pela ditadura militar. De onde surgiu a inspiração para esse livro?

Frei Betto: Há mais de 10 anos, eu li um livro sobre uma expedição “pacificadora” – entre aspas – de indígenas que foi massacrada na Amazônia. Por absoluta incompetência, as pessoas que se envolveram nessa expedição foram à área dos waimiri atroari. E era um padre que dirigia essa expedição. Um padre sem nenhuma experiência, apenas já tinha tido contato com os yanomami que são mais ou menos vizinhos dos waimiri atroari. Eu fiquei muito impressionado com o relato.

A ideia de uma ficção me bate e fica remoendo. Quando vem uma inspiração que me morde por dentro, eu me sinto grávido desse romance. E assim foi: durante 10 anos, eu pesquisei muito sobre os waimiri atroari e depois, em algum momento, resolvi colocar no papel baseado naqueles fatos reais, mas mudando completamente vários aspectos da história. Por exemplo, a figura do padre não aparece no romance. Aparece um sertanista vinculado a Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas].

Agência Brasil: E por que exatamente esse relato te impressionou?

Frei Betto: Eu pensava que o segmento mais atingido pela ditadura militar havia sido o pessoal que integrou a resistência armada, o movimento estudantil, o movimento sindical ou mesmo os grupos e partidos clandestinos. Mas não foi nada disso. O segmento mais atingido foram os povos indígenas. Principalmente na abertura de duas rodovias.

Uma é a Transamazônica, que liga a Paraíba ao Peru. A outra é a BR-174, entre Manaus a Boa Vista, que é menos conhecida e que é a que eu descrevo no romance. Para abrir essa rodovia, a ditadura massacrou mais de 2 mil waimiri atroari com incêndio nas palhoças, com napalm, helicópteros como metralhadora e vários outros recursos. Colocavam o fogo nas choças dos indígenas com as famílias todas lá dentro, inclusiva com crianças. Então eu quis primeiro descrever o mundo amazônico. O romance trabalha muito a questão da linguagem indígena. E ao mesmo tempo resgatar a memória do povo waimiri atroari.

Agência Brasil: Dentre suas diversas obras, Tom Vermelho do Verde foi o livro escolhido pelo público para ser o tema do Clube de Leitura do CCBB. A que você atribui esse interesse?

Frei Betto: Confesso que me surpreendeu um pouco. Geralmente quando há esse processo de escolha mediante votação do público leitor, os preferidos costumam ser Cartas da Prisão, Batismo de Sangue ou até o meu romance mais conhecido que é o Hotel Brasil. Eu acho que o fato do tema indígena estar na pauta atualmente pode ter suscitado o interesse. E a ligação com a questão da ditadura talvez tenha pesado. Além disso, o romance está entre os 10 finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura, que é atualmente o mais importante do Brasil. Então pode ser que isso também tenha influído.

Agência Brasil: O debate em torno da ditadura militar está sendo mais revisitado diante dos desdobramentos da tentativa de golpe ocorrida no ano passado? Como você, que integrou a resistência na década de 1970, vê o cenário hoje?

Frei Betto: O Brasil cometeu um erro histórico muito grave que foi não apurar os crimes da ditadura militar. Ao contrário, países como a Argentina, o Chile e o Uruguai levaram os criminosos aos tribunais. Inclusive generais. Na Argentina, alguns foram condenados à prisão perpétua.

Já o Brasil criou uma aberração jurídica que foi a anistia recíproca. E como é que você pode anistiar alguém que sequer foi denunciado, investigado, julgado e condenado? Isso não existe. O resultado é que ficou esse resquício nas nossas academias militares, onde o golpe de 1964, que foi uma violação grave da Constituição brasileira e da democracia, é glorificado como revolução, como avanço. E aqueles torturadores e assassinos são considerados heróis.

Não me surpreende a tentativa de golpe no 8 de janeiro de 2023. Nem essa trama recém-descoberta de que se pretendia assassinar o presidente Lula, o vice Alckmin e o juiz Alexandre de Moraes e criar campos de concentrações para recolher os opositores do governo. Isso é consequência dessa falha grave de não haver uma punição rigorosa. Não se separou o joio do trigo. Então esse resquício, como brasa debaixo do lixo, continua aquecido e de repente pode virar fogo.

Enquanto não houver uma revisão rigorosa, nós vamos estar sempre ameaçados por esse setor militar fundamentalista, que é bastante representativo. Embora os comandantes da Aeronáutica e do Exército tenham se negado a participar do golpe, a Marinha aceitou. E mesmo na Aeronáutica e no Exército, a recusa foi dos comandantes, não propriamente da tropa. Tanto que nós estamos vendo aí vários oficiais presos e outros denunciados. É uma situação que coloca um entrave para nossa democracia.

Agência Brasil: A orientação do presidente Lula para que os órgãos da administração direta não realizassem eventos que lembrassem os 60 anos do golpe reitera esse erro?

Frei Betto: Seguramente. Deve-se resgatar a memória do golpe. Felizmente isso não foi suficientemente acatado pelo correligionários do presidente. O próprio Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de onde ele veio, fez um ato. Se não se manter viva essa memória, tudo tende a se repetir.

Agência Brasil: Um tema que sempre mobilizou a sua militância é a questão da fome. Temos visto neste ano uma mobilização muito intensa do governo brasileiro para articular um programa de combate à fome de amplitude mundial. E aí foi lançado no Rio de Janeiro, durante a Cúpula dos Líderes do G20, a  Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza . Como você tem visto essa mobilização? Você acha que ela é promissora?

Frei Betto: Talvez um dos sintomas do caráter perverso do capitalismo seja existir pessoas com fome, em um planeta que é habitado por 8 bilhões de pessoas e que tem uma produção alimentícia capaz de alimentar 12 bilhões de bocas. Não há falta de alimentos, há falta de Justiça. Temos quase 1 bilhão de pessoas que vivem em situação de desnutrição, fome, etc. É um absurdo isso. Mostra como o sistema é cruel e perverso.

Infelizmente, essas mobilizações são periodicamente refeitas e atualizadas, mas não levam a nada. É um escândalo ver como os países que assinam esses tratados, na hora de abrir o bolso, não contribuem como deveriam. Enquanto isso, gastam mais de 2 trilhões de dólares por ano com armamentos. Quando se trata da morte, não falta dinheiro. Quando se trata da vida, falta. É a perversidade do sistema capitalista. Não há futuro positivo para a humanidade enquanto esse sistema perdurar.

No mundo de hoje, o capital tem supremacia sobre os direitos humanos. Há que fazer essa inversão: os direitos humanos têm que estar acima dos interesses do capital. A situação é grave, mas podemos dizer que o governo Lula tem feito muito no sentido de combater a fome. Isso não é por acaso. O Lula é único chefe de Estado progressista que veio da miséria. Todos os outros, inclusive líderes da história do socialismo, como Lenin, Ho Chi Minh, Mao Tsé-Tung, Fidel, vieram da classe média. O Lech Walesa, na Polônia, também veio da classe trabalhadora, mas não da pobreza.

Agência Brasil: Essa origem estaria relacionada com uma maior sensibilidade?

Frei Betto: O Lula foi retirante. A mãe dele viu quatro filhos morrerem de fome. Pegou os outros oito filhos e saiu de Garanhuns no pau de arara para para buscar um futuro melhor em São Paulo. Então isso o toca. No seu primeiro mandato, ele conseguiu tirar o Brasil do mapa da fome da Organização das Nações Unidas (ONU), com o programa Fome Zero, que depois foi transformado em Bolsa Família. No governo Temer, o Brasil voltou ao mapa da fome. Ainda continua. Mas os dados do IBGE tem mostrado, nesse novo governo Lula, há uma redução significativa do número de pessoas na extrema pobreza.

O problema é que a elite brasileira não tem absolutamente nenhuma sensibilidade para questão social. Ela naturaliza a desigualdade e não apoia nenhuma política eficaz no sentido de combater as causas estruturais. Alguns até apoiam iniciativas solidárias, mas não se interessam em saber a raiz do problema. Por que que existe gente sem alimento?

Eu me lembro quando a União das Nações Indígenas, a UNI, tinha sua sede nacional em São Paulo, em uma sala no nosso convento. E me lembro de uma reunião onde alguns indígenas foram à São Paulo pela primeira vez. Eles ficaram chocados porque não entendiam como havia gente com fome pedindo esmola na porta de um supermercado. Na cabeça deles, era um nó. O alimento, para um grupo tribalizado, não tem valor de troca. Ele só tem valor de uso. E o capitalismo e a sociedade que nós vivemos transformou o alimento em valor de troca. Ou seja, quem não paga não come.

Na proposta dos países socialista, alimentação é um dever do Estado e um direito do cidadão. Principalmente em Cuba, onde atualmente trabalho junto à FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura] na questão de soberania alimentar. Os três principais direitos humanos são assegurados a toda à população cubana: alimentação, saúde e educação. Isso deveria ser universal, mas infelizmente não é.

Agência Brasil: Você sempre se dedicou muito a compreender a trajetória de Cuba. O país vem atualmente enfrentando dificuldades para assegurar o fornecimento de energia à população. Passados oito anos da morte de Fidel Castro, a situação hoje é mais complicada?

Frei Betto: Desde que caiu o muro de Berlim, Cuba enfrenta sucessivamente inúmeras dificuldades por várias razões. Primeiro por ser uma ilha com poucos recursos. Cuba não tem nenhum rio e toda energia cubana é movida a petróleo. Acontece que Cuba não produz nenhum barril de petróleo. Então isso tudo tem que ser importado. Talvez hoje a gente possa dizer que houve erros, como a aposta na monocultura de cana. Cuba chegou a ter a maior produção mundial de açúcar. Mas o fato é que hoje Cuba importa 80% dos alimentos que consomem. E isso é um absurdo.

Esse projeto no qual estou envolvido – o Plano de Soberania Alimentar e Educação Nutricional – tem como objetivo substituir as importações de maneira que o cubano produza os seus próprios alimentos. Não é fácil porque nós temos vícios alimentares. Por exemplo, o cubano não pode passar um dia sem pão. Mas o pão é feito de trigo e Cuba não produz um pé de trigo. Acontece que Cuba produz milho e mandioca, mas o cubano não tem nenhum hábito de comer pães de milho e de mandioca. Isso demanda um trabalho de gerações. Tem que começar dentro da infância porque é muito difícil mudar hábitos alimentares de adultos.

Também é preciso dizer que Cuba sofre um bloqueio genocida. Não tem outra palavra porque são 64 anos de sabotagem permanente à economia cubana. De longe, a gente muitas vezes não tem ideia do que significa o bloqueio. Hoje Cuba tem relações comerciais com inúmeros países, mas não tem crédito porque não tem saldo para pagar as dívidas que contraiu. E lida com o problema do fornecimento do petróleo para energia, que está relacionado com os apagões. Os três maiores fornecedores de petróleo para Cuba já não podem continuar fornecendo no volume que faziam antes. A Venezuela está numa crise econômica. O Irã está em guerra e a Rússia também.

Agência Brasil: É possível acreditar em dias melhores para os moradores da ilha?

Frei Betto: É muito difícil encontrar saídas estruturais. Se você me perguntar qual é o futuro de Cuba, eu não sei responder. Mas eu fico impressionado com a resiliência daquele povo. É uma resistência heroica: contrariou todos os prognósticos de que o socialismo lá acabaria pelo efeito dominó depois da queda do muro de Berlim. Embora muitos cubanos saiam de Cuba, não o fazem por razões políticas e ideológicas e sim por razões econômicas. Muito jovens buscam uma oportunidade melhor de trabalho já que o país está literalmente quebrado.

Haveria uma saída se a China fizesse com Cuba o que a União Soviética fazia. Os soviéticos praticamente incorporaram Cuba como mais um de seus Estados membros. A questão é que a China não foi cristianizada. Isso é uma tese amadora minha de que só países que foram cristianizados são solidários.

A Rússia foi e, por isso, é solidária. Mas a China não foi. O substrato cultural do povo chinês são duas tradições muito individualistas: o confucionismo e o budismo. São tradições espirituais de aprimoramento pessoal, não propriamente de abertura para o social. Então os chineses não são solidários. Os chineses são “toma lá dá cá”. Eles sempre querem saber o que recebem em troca. Os cubanos são muito agradecidos com a relação que possuem com a China, mas ela poderia fazer mais.

Agência Brasil: Mas ao mesmo tempo que o cristianismo fornece as bases para a noção de solidariedade, a partir dele tem crescido também discursos religiosos fundamentalistas. É um cenário que traz preocupações?

Frei Betto: O fundamentalismo sempre existiu tanto na religião como na política. Inclusive se você ler o evangelho, principalmente o capítulo 23 de Mateus, todo o atrito de Jesus é com os fundamentalistas religiosos: fariseus, saduceus. Ele inclusive xinga, chama de raça de víboras, de sepulcros caiados, etc. Então a extrema-direita sempre manipulou a religião para sacramentar os seus interesses. O problema é que a esquerda cometeu o erro de não perceber a força da religião na cultura popular. Também devido ao Iluminismo e à toda a fase racionalista do ateísmo, o marxismo acabou adotando uma profissão de fé ateia. Meio paradoxal o que eu acabo de dizer, mas é um pouco isso.

É muito difícil na América Latina você encontrar um povo não religioso. Se você perguntar a uma faxineira, a um vigia de obra, a um trabalhador da construção civil, o que ele acha da vida, da morte e do mundo, ele certamente vai te dar uma resposta em categorias religiosas. E isso só foi percebido pela esquerda através da Teologia da Libertação, que acabou tendo muita influência. Resultou na maior rede de movimento popular criada no Brasil do século 20, que foram as Comunidades Eclesiais de Base, que por sua vez geraram um número significativo de militantes tanto sindicais, quanto políticos.

Infelizmente, quando vieram os dois pontificados conservadores, com João Paulo II e Bento XVI, elas arrefeceram. Até hoje a Igreja está penalizada por esses dois pontificados, porque duraram 34 anos. Toda essa geração atual de padres e bispos basicamente é fruto desse período. E o Papa Francisco, por mais que ele seja identificado com a Teologia da Libertação, ele não consegue provocar as mudanças que ele gostaria de fazer. Ele se esforça, mas enfrenta resistência. Eu digo que a Igreja Católica hoje é um corpo conservador com a cabeça progressista.

Agência Brasil: Em agosto você completou 80 anos. Se considera hoje tão otimista quanto aquele jovem Frei Betto que atuou na resistência contra a ditadura e que acreditava em uma grande mudança social?

Frei Betto: Eu acho o seguinte: você não pode viver sem utopia. Eu estou convencido que quanto mais utopia, menos drogas. E quanto menos utopia, mais drogas. Não dá para viver sem sonhos. Se o sonho não é político, se o sonho não é social, o sonho vai ser químico. Às vezes, converso com adolescentes em escolas e eles perguntam: ‘na geração do senhor, tinha muita gente curtindo droga?’. Eu respondo que existia sim, mas não eram tantos porque nós éramos viciados em utopia. A gente injetava utopia na veia.

Eu sou de uma geração que confundia o seu tempo pessoal com o seu tempo histórico. Eu achava que eu ia assistir o Brasil sair da ditadura e caminhar para o socialismo. E me arrisquei por isso. Achava que a gente poderia fazer uma revolução. Eu me enganei, mas não tenho nenhuma vergonha de ter me enganado, não me arrependo de nada. Acho que há muitos méritos na minha geração. Eu sei que o meu tempo histórico não vai coincidir o meu tempo pessoal. Porém insisto: não vou participar da colheita, mas faço questão de morrer semente. Eu continuo socialista. Não tanto socialista, mas convicto de que, dentro do capitalismo, a humanidade não tem futuro.

Agência Brasil: Em que medida você acha que o desenvolvimento tecnológico e a força das redes sociais impactam a juventude? Elas podem ser um espaço para promover a utopia?

Frei Betto: Eu costumo dizer nós não estamos vivendo uma época de mudança, nós estamos vivendo uma mudança de época. Tivemos a modernidade, a pós-modernidade e estamos entrando agora numa outra época que eu não sei ainda que nome vai ter. É uma época regida pela cultura digital. É uma coisa inteiramente nova. E a nossa luta deverá se dar em várias trincheiras. Primeiro é preciso fazer com que essas plataformas sejam controladas pelo Estado. Isso é fundamental porque são armas extremamente poderosas. Estão sendo mal usadas na mão da iniciativa privada.

Eu acho que antes de mais nada precisamos responder: para que servem as chamadas redes sociais, que eu prefiro chamar pelo nome técnico de redes digitais? Servem para facilitar nossa comunicação, para nos informar. Não é para o dono fazer dinheiro. Só que as plataformas hoje só visam o lucro. Ainda que as aparências possam nos enganar. É como aconteceu com a televisão. Ninguém ligaria a televisão para ver só anúncio. Então precisava ter filme, programa de auditório, telejornal. Ninguém também vai entrar numa rede dessa para ver anúncio. Então elas oferecem outras coisas. Mas a questão é o que está por trás. Nas redes, há várias maneiras do usuário ser atingido pelo consumismo. Não é só pelo anúncio explícito.

Hoje, existe uma doença já catalogada e diagnosticada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) chamada nomofobia, que é a dependência do celular. É preciso ler A Máquina do Caos, de Max Fisher. Como as redes digitais tornam um usuário dependente? Muito simples: as pessoas guardam mais as ofensas que receberam nos últimos cinco ou dez anos do que os elogios. Então quanto mais ódio nas redes, mais dependência. Além disso, as redes incutem nos seus usuários um individualismo e um narcisismo. Ela é o meu espelho: eu posto e quero saber como foi a repercussão do que eu postei. E minha ação passa a depender do retorno. Hoje, há inúmeros casos de suicídio de jovens provocado pelo cancelamento.

Mas as redes são maravilhosas do ponto de vista de facilitar comunicação e promover democratização da informação. Os grandes veículos estão desesperados, porque hoje a maioria das pessoas está pouco se lixando para a TV Globo, o SBT, a Record, o Estadão, a Folha de S. Paulo. As pessoas estão buscando os seus nichos de informação e comunicação. Então o que eu acho é que é preciso uma regulação. E é preciso uma educação digital nas escolas. Assim como tem ou deveria ter uma boa educação em português, em matemática. Isso é fundamental.

Grupo de filhos e netos de perseguidos pela ditadura completa 10 anos


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Era 5 de dezembro de 2014. Em uma audiência pública realizada no auditório do 11º andar da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), filhos e netos de perseguidos políticos durante a ditadura militar receberam um pedido oficial de desculpas do Estado. Era algo esperado há muito tempo, que veio verbalizado meio de representantes da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio), criada pela Lei Estadual 6.335/2012 para apurar delitos e atos antidemocráticos praticados por forças do Estado durante o regime militar instaurado a partir do golpe de 1964.


Rio de Janeiro (RJ), 05/12/2024 - Ligia Maria Motta Lima Leão de Aquino, professora, membro do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos, fala sobre sua história, no auditório da UERJ.  Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Ligia Maria Motta Lima Leão de Aquino, professora, membro do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos, fala sobre sua história, no auditório da UERJ. Foto:  Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Até hoje eu fico arrepiada toda vez que me lembro desse momento. Parece uma bobagem, mas esse pedido de desculpas tem um sentido muito forte”, diz a professora universitária Lígia Maria Mota Lima Leão de Aquino.

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Aquela audiência pública marca a fundação do Grupo de Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, que completa neste mês 10 anos de existência.

Ao longo de todos esses anos, conhecendo melhor uns aos outros, passaram a reconhecer que suas vidas são alvos de “efeitos transgeracionais” provocados pela violência de Estado. Para relembrar essa trajetória e celebrar essa união, o grupo voltou a se reunir no mesmo auditório da Uerj no último dia 5.

Lígia faz questão de se apresentar pelo seu nome completo, mencionando que por trás desses sobrenomes há diversos parentes que foram perseguidos pelos militares. Hoje docente da Faculdade de Educação da Uerj, ela considera que as ações da ditadura geraram impactos sentidos ainda hoje em sua família.

“Meu avô era o jornalista Pedro Mota Lima. Ele foi diretor do Tribuna Popular e era do Partido Comunista. Já no Ato Institucional número 1, editado após o golpe militar de 1964, o nome do meu avô e de dois tios estavam lá como pessoas cassadas. E no caso dos meus tios, perderam não apenas seus direitos políticos, mas também o trabalho no Banco do Brasil. Um deles conseguiu ir para o exterior e o outro foi preso”, relata.

A celebração dos 10 anos do grupo teve início com o depoimento em vídeo de artista e professora Rita Maurício, filha do ex-preso político José Luiz Maurício. Ela relata que as torturas deixaram seu pai louco e ele não conseguiu concluir o sonho de se formar em medicina. Contou também que os familiares, em particular sua mãe, precisaram abdicar de projetos pessoais para cuidar do pai, que tinha momentos de crise, inclusive com internações, e houve até mesmo tentativas de suicídio.

“Aquela arvore que eu gostava tanto de brincar e que depois meu avô cortou para que meu pai não tentasse mais se enforcar ali”, citou. Para Rita, toda esta atmosfera no ambiente familiar a fez com que ela não desenvolvesse na infância todas as suas potencialidade e também apresentasse uma baixa autoestima. Mãe de dois filhos, ele conta que se vê cometendo com eles erros similares ao que sua mãe cometia com ela.

“Família para mim sempre foi difícil de assimilar. O fato de muitas vezes família ser para mim um sinônimo de inferno tem tudo a ver com sequelas emocionais que a ditadura provocou na minha família. Hoje vejo que o meu relacionamento conturbado com a minha mãe é o principal efeito transgeracional da violência de Estado na minha vida”.

Clínicas do Testemunho

O Grupo de Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça surge como um desdobramento do projeto Clínicas do Testemunho, impulsionado no Rio de Janeiro pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Através dele, eram oferecido atendimento psicológico aos perseguidos políticos. Logo, porém, terapeutas envolvidas começam a observar a ocorrência dos efeitos transgeracionais e propõem estender a iniciativa também para abarcar os filhos e netos.

“O projeto cumpria, inicialmente, um papel de reparação, porque a violência do Estado no período da ditadura não foi apenas física, mas também psicológica. Então a reparação pecuniária é importante, mas ela não é única e nem é suficiente. Então uma outra forma de reparação envolve a construção de centros de memória e a garantia de atendimento para que as pessoas em sofrimento psicológico por conta dessa violência tenham ferramentas para poder lidar com isso e até ressignificar essas experiências vividas”, diz Lígia Maria.


Rio de Janeiro (RJ), 05/12/2024 - A professora, Márcia Curi Vaz Galvão, membro do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos, se emociona ao falar sobre sua história, no auditório da UERJ.  Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A professora Márcia Curi Vaz Galvão, membro do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A partir dos atendimentos em grupo, os filhos e netos dos perseguidos políticos passaram a ficar mais unidos e passaram a ser organizar, mantendo contato através das redes sociais e organizando uma agenda de atividades. Passados alguns anos, eles buscaram nacionalizar a mobilização incorporando pessoas que participaram das Clínicas do Testemunho que foram conduzidos em outros estados, eventualmente com outros nomes.

“Há 11 anos, eu não conhecia ninguém que está aqui. E hoje em dia é uma relação muito forte”, conta a professora da educação básica Márcia Curi Vaz Galvão. Ela nasceu em 1971 no Uruguai, onde seu pai, Arakém Vaz Galvão, se exilou após deixar a prisão. Sua mãe, a uruguaia Glady Celina Cury Bermudez, integrava o Movimento de Libertação Nacional (Tupamaros). Ela também foi presa, ficando privada da liberdade por quatro anos.

“Eu tinha um ano, quando entraram na casa e a levaram. Depois eu passei muitos anos no exílio. Com oito anos, eu aprendi meu quinto idioma, porque eu vivi na Suécia, na França, na Catalunha, na Espanha. Ia aprendendo o idioma e mudando de escola. E nunca me foi explicado o que estava acontecendo.  Eu era muito pequena e minha mãe não falava muito. Cheguei no Brasil por ser filha de brasileiro em 1979 com aquela pseudo-anistia, que anistiou torturadores”, explica.

Segundo Márcia, as Clínicas do Testemunho permitiram que ela pudesse compreender melhor suas emoções.

“Eu pude dizer como me sentia, como uma pessoa fora de lugar. Quando eu era criança, se eu dizia para minhas amigas que eu tinha morado na França, achavam chique. Mas eu morei lá porque minha família foi presa. Então eu tinha dificuldade de fazer parte de grupos, de núcleos, de um circuito de pessoas. E de repente, eu encontro pessoas que têm questões semelhantes. E começo a perceber o silêncio oceânico que eu carregava desde a infância. E aí pude finalmente me identificar. Foi muito poderoso. É uma libertação”, afirma.

Mudança de rumo

Há casos em que o encontro com a história familiar gerou uma mudança de rumo na vida profissional. A advogada pernambucana Rose Michelle é sobrinha de Rosane Alves Rodrigues, ex-diretora do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade de Pernambuco (UPE). Perseguida, ela precisou exilar-se no Chile e na Dinamarca.

Rose conta que, mesmo na família, havia uma certo silenciamento em torno da história da tia. A eleição de Jair Bolsonaro em 2018, que adotava um discurso de defesa de agentes envolvidos na ditadura militar, lhe acendeu um alerta de que precisava compreender melhor o que havia acontecido. Foi quando ela fez contato com o Grupo de Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça. Especialista em direito empresarial, Rose passou então a atuar em outra esfera: direitos humanos.

Relato semelhante foi compartilhado pela professora e psicóloga Kenia Soares Maia. Ela é prima de Jessie Jane, militante que participou do sequestro de um avião na expectativa de trocar os reféns pela liberdade de presos políticos. O plano fracassou. Vital Cardoso de Souza, pai de Kenia e tio de Jessie, filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), também chegou a ser preso por dois meses. Pelo parentesco com a sobrinha, os agentes da repressão queriam saber se ele tinha envolvimento no caso.

“Eu assumi minha identidade de filha de preso político muito por conta do governo Bolsonaro. Porque até então a minha vida corria relativamente em uma certa normalidade. Foi quando o Bolsonaro assumiu que eu me vi em pânico de viver tudo que o meu pai viveu, tudo que a minha prima viveu. E aí eu me vi obrigada a me engajar na luta por memória, verdade e justiça. Eu percebi que essa luta não terminou, não estava resolvido, muito longe disso. Então eu busquei um coletivo que pudesse me acolher”, conta Kenia.

Além da terapia


Rio de Janeiro (RJ), 05/12/2024 - Kenia Soares Maia e Felipe Lott, membros do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos, falam sobre suas histórias, no auditório da UERJ.  Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

 Kenia Soares Maia e Felipe Lott, membros do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Embora tenha se desdobrado de um projeto com objetivos mais terapêuticos, o Grupo de Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça atua hoje em diversas frentes. Segundo Kenia, há um diálogo com a Defensoria Pública da União (DPU) para que seja levado um pedido de anistia coletivo à Comissão de Anistia, órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

“É uma anistia simbólica, que inclui um conjunto de medidas reparadoras: o fortalecimento da Comissão de Mortos e Desaparecidos, a facilitação de acesso aos arquivos, a volta da Clínica dos Testemunhos – que é uma medida de reparação obrigatória indicada pela pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – e novas investigações sobre o que aconteceu no Cone Sul na Operação Condor. Enfim, uma série de demandas que a gente tem”, explica.

De acordo com a advogada Rosa Costa Cantal, a reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos, que havia sido dissolvida durante o governo de Jair Bolsonaro, foi uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A medida só saiu do papel em julho desse ano, segundo ela, após muita pressão.


Rio de Janeiro (RJ), 05/12/2024 - Rosa Costa Quental, advogada, membro do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos, fala sobre sua história, no auditório da UERJ.  Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Rosa Costa Quental, advogada, membro do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Lula orientou para que não houvessem eventos que relembrassem os 60 anos do golpe. Foi muito difícil. Agora ficamos sabendo que havia um plano para assassinar o presidente Lula. Isso só mostra como as medidas de reparação do passado são importantes para não repetição no presente”, disse.

Rosa é filha de Maria Aparecida Costa Cantal, militante da Aliança Nacional Libertadora (ALN) que ficou presa por cerca de três anos. Seu pai, Wellington Cantal, saiu do Ceará para estudar direito no Rio de Janeiro e também foi alvo da repressão. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Duque de Caxias (RJ), ele se envolveu com questões judiciais envolvendo disputas de terras.

“Defendeu inúmeros posseiros de terra, na luta contra os grileiros. Os grileiros, muitos deles militares, forjavam títulos de propriedades nos cartórios, falsificavam documentos e expulsavam famílias de posseiros que já estavam na terceira geração ocupando aquelas terras e cultivando nelas. E meu pai acaba sendo perseguido e é preso”, conta Rosa, acrescentando que posteriormente ele foi novamente preso e torturado, tendo sobrevivido a um ataque cardíaco.

Ela afirma que sentiu que devia dar sequência à luta de seus pais por democracia.

“Esse é um grupo propositivo também. A gente discute diferentes questões como, por exemplo, a punição dos torturadores. Essa é uma bandeira muito importante. E estamos debatendo questões objetivas envolvendo a violência policial. O grupo tem uma grande atuação aqui no Rio de Janeiro e lá em São Paulo, onde estão explodindo essas situações”.


Rio de Janeiro (RJ), 05/12/2024 - O historiador, Felipe Lott, membro do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos, fala sobre sua história, no auditório da UERJ.  Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O historiador Felipe Lott, membro do Coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, formado por familiares de mortos, desaparecidos, torturados e perseguidos políticos. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Para Felipe Lott, pesquisador em história, os recorrentes casos de violência policial no Brasil indicam que a ditadura não foi superada. “São práticas altamente referendadas institucionalmente. Não são casos isolados, apesar de certos setores da sociedade gostarem de repetir isso. Esses casos estão arraigados na tradição brasileira”, avalia.

Ele é neto de Edna Lott, deputada que teve seu mandato cassado e foi posteriormente assassinada quando procurava informações de seu filho desaparecido. “Sempre que vem à tona novos casos de violência do Estado fica clara a importância de a gente continuar fazendo esse trabalho”, acrescenta.

Dia D combate focos de mosquito da dengue em todo o país


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Um saco de lixo pendurado num quintal, por pouco, não se transformou numa armadilha para a aposentada Antônia Maria dos Prazeres Araújo, 68 anos. As chuvas que caíram durante a madrugada no Distrito Federal fizeram a sacola de plástico acumular água. Caso tivesse permanecido todo o fim de semana a céu aberto, o saco teria se convertido em criadouro do mosquito da dengue.


Brasília (DF), 14/12/2024 - Antônia Maria dos Prazeres durante Dia D de combate a dengue. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Brasília (DF), 14/12/2024 – Antônia Maria dos Prazeres recebe instruções de como combater a dengue dentro de casa. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Problema resolvido com um furo no fundo da sacola, que permitiu escoar a água e evitar o pior. “Sempre me preocupo com a limpeza, até porque crio gatos, mas a sacola, eu tinha deixado de ontem para hoje e não tinha notado a água acumulada”, diz Antônia, ao ser alertada por uma agente da Vigilância Ambiental do Distrito Federal.

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A casa da aposentada foi uma das escolhidas para ser inspecionada no Dia D de Mobilização contra a Dengue, que ocorre em todo o país neste sábado (14) e foi aberto pela ministra da Saúde, Nísia Trindade no Rio de Janeiro.


Brasília (DF), 14/12/2024 - Campanha do Dia D de combate a dengue. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Dia D de combate à dengue. Foto: José Cruz/Agência Brasil

No Distrito Federal, o mutirão ocorreu na Ceilândia, cidade a 30 quilômetros de Brasília. A ação reuniu 47 bombeiros, 30 vigilantes ambientais, cinco vigilantes sanitários e três carros com “fumacê” (inseticida) na QNP 32. Representantes do Ministério da Saúde também deram suporte. Os agentes aplicaram larvicidas ou pastilhas de tratamento de água nos possíveis focos e orientaram os moradores a prevenir o aparecimento do mosquito Aedes aegypti.

“Hoje, existe uma vacina contra a dengue, mas ela não está disponível para todo mundo. Somente pessoas de 10 a 14 anos estão sendo vacinadas. A melhor maneira de combater a dengue é a prevenção, por meio do cuidado da população em evitar focos”, adverte a coordenadora-geral de Vigilância em Arboviroses do Ministério da Saúde, Lívia Vinhal.

Momento ideal

Segundo Lívia, o melhor momento de combater a dengue é agora, pouco antes do início do verão, para evitar repetir a superepidemia do verão passado, que matou 7 mil pessoas e foram registrou mais casos somados que nos quatro anos anteriores. “O aquecimento global contribuiu para essa mudança. Nos últimos anos, não tivemos invernos tão frios. Diversos países temperados que não tinham o mosquito passaram a registrar transmissões”, destaca.

A coordenadora do Ministério da Saúde explica que o Dia D de Mobilização contra a Dengue foi planejado por meses, em reuniões com especialistas e com as Secretarias Estaduais de Saúde, durante os meses de seca que afetaram boa parte do país. “Agora, não temos tantos criadouros nem tantos casos. É o momento ideal para tomar ações conjuntas que reduzam a infestação”, afirma.


Brasília (DF), 14/12/2024 - Lívia Vinhal, secretária de vigilância na Campanha do Dia D de combate a dengue. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Lívia Vinhal, coordenadora de vigilância do Ministério da Saúde. Foto: José Cruz/Agência Brasil

Mutirões vão ocorrer semanalmente em cada região administrativa do DF. “Todos os sábados, mobilizaremos vários órgãos governamentais para combater o mosquito da dengue. Se a população não se engajar, todo o esforço do GDF [Governo do Distrito Federal] para combater o mosquito será em vão, e vai se repetir a situação do fim do ano passado e do início deste ano”, adverte o presidente da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) do Distrito Federal, Luiz Felipe Carvalho.

Prevenção comunitária

Na casa da aposentada Antônia Maria, os agentes da Vigilância Ambiental a aconselharam a não deixar baldes destampados, mesmo que tenham água limpa, e a cobrir com massa de cimento cavidades de tampas antigas da rede de água e esgoto onde empoça a água da chuva e de faxinas. “Podem deixar que, na próxima visita, não vai ter mais buracos nas tampas”, promete a dona de casa.

O principal foco potencial de mosquito da dengue, no entanto, não estava na casa de Dona Antônia, mas na calha do vizinho, que dá para o quintal dela e está entupida e com terra e folhas acumuladas. “Vou falar com ele de novo para limpar a calha”, diz a aposentada enquanto um agente pendurado numa escada aplica larvicida na calha. “O combate à dengue, acima de tudo, é comunitário. Cada morador responde não apenas por si, mas por quem está perto dele”, adverte o presidente do SLU.

PGR deu aval à prisão de Braga Netto e disse ser imprescindível


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O procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet (foto), concordou com a prisão do general Walter Braga Netto, no mesmo dia em que o ministro Alexandre de Moraes assinou a decisão, no último dia 10 de dezembro (terça-feira).

“O pedido da autoridade policial (PF) convence da imprescindibilidade da providência em prol do avanço das investigações (…)”, disse o procurador.

Gonet explicou no parecer que haveria “clara pertinência lógica”, e que haveria “necessidade”, “adequação” e “proporcionalidade da medida”.

“Interferência nas investigações”

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Por isso, a prisão preventiva seria uma medida capaz de garantir a ordem pública, segundo Gonet, para evitar a “continuidade do esquema criminoso deflagrado” e também a “interferência nas investigações que seguem em curso. Ainda de acordo com o PGR, a partir do que se colheu de provas, são necessárias mais diligências para um juízo adicional e mais abrangente sobre a autoria dos crimes.

O procurador-geral também identificou que existem provas o suficiente para as medidas de busca e apreensão nas casas dos investigados. Isso porque há, na avaliação do PGR, fortes indícios dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, além de deterioração do patrimônio tombado. 

Prisão de ex-ministro de Bolsonaro

Braga Netto, general e ex-ministro na gestão de Jair Bolsonaro, foi preso na manhã deste sábado (14) pela Polícia federal. Segundo a Polícia Federal, ele estaria tentando atrapalhar a investigação no inquérito da tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.

Na decisão que autorizou a prisão, Moraes diz que a PF identificou que o general tentou obter detalhes da delação do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, prestada em setembro do ano passado, o que fica caracterizada obstrução de Justiça. Ele fez contatos com o pai de Mauro Cid, o general Mauro César Lourena Cid.

Mauro Cid confirmou a tentativa do general à Polícia Federal. Outro argumento aponta que a PF, no dia 8 de fevereiro deste ano, data da deflagração da operação “Tempus Veritatis”, encontrou papeis na mesa do coronel Flávio Botelho Peregrino, assessor de Braga Netto, que orientariam perguntas e respostas sobre delação.

Braga Netto foi preso em sua casa, em Copacabana, no Rio de Janeiro, e levado para a sede da Polícia Federal na cidade. Ele passará por audiência de custódia ainda hoje, às 14h. 

Por ser militar, ele será entregue ao Exército e ficará sob custódia. 

A Agência Brasil tenta contato com a defesa do general. 

Lula segue internado e fará exames de sangue, diz boletim médico


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Em boletim médico divulgado há pouco pelo Hospital Sírio Libanês, foi informado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará apenas exames de sangue, sem nova programação de exames de imagem.

De acordo com as informações, Lula segue em cuidados semi-intensivos e continua lúcido e orientado, alimentando-se e caminhando. A alta está prevista para a semana que vem.

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Ontem (13), Lula teve retirado o dreno intracraniano que havia sido colocado na cirurgia da última terça-feira (10). O procedimento ocorreu “sem intercorrências”.

Na quinta-feira (12), pela manhã, Lula foi submetido a um procedimento endovascular (embolização da artéria meníngea média), procedimento que foi considerado bem-sucedido pelos médicos.

Hematoma

Lula foi submetido a uma cirurgia de emergência na última de terça-feira (10) para drenar um hematoma na cabeça, decorrente de uma queda que sofreu em outubro. Kalil garantiu que não houve novo sangramento, após a drenagem, e que o procedimento realizado nesta quinta-feira foi de caráter preventivo.

Música e dança marcam início do Festival Psica 2024 em Belém


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Na cidade em que a chuva dá as caras praticamente todos os dias às 16h, os integrantes do Cortejo Encantado marcaram para as 17h dessa sexta-feira (13) a apresentação de música e dança que marca o início do Festival Psica, em Belém, capital paraense. O evento é considerado um dos maiores festivais de música da região Norte.

Representantes de manifestações culturais como o Boi Caprichoso, do tradicional boi-bumbá de Parintins, interior do Amazonas, e do Arraial do Pavulagem, grupo cultural belenense, além de moradores da cidade e turistas se divertiram pelas ruas do bairro Cidade Velha – centro histórico da capital paraense – até o Píer das 11 Janelas, banhado pela Baía do Guajará. No trajeto, passaram por locais como a Catedral da Sé, cenário de parte da procissão do Círio de Nazaré, que acontece sempre em outubro.


Belém (PA) 13/12/2024 - Show da cantora de música indígena Dijuena Tikuna no Festival Psica 2024, na Cidade Velha. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Festival Psica 2024 conta com mais de 50 apresentações. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil – Fernando Frazão/Agência Brasil

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O fim do cortejo é a senha para o início de shows em cinco palcos espalhados pela Cidade Velha, cada um com um ritmo musical. Com curtas caminhadas, o público pode se alternar entre as atrações, todas de graça.

Com mais de 50 apresentações, que ocuparão também o Estádio Olímpico do Pará Jornalista Edgar Proença, ou simplesmente o Mangueirão, o Festival Psica de 2024 tem como objetivo a busca e exaltação da cultura pan-amazônica, entendida como a união de todos os países e estados que têm o bioma amazônico no território.

O conceito Pan-Amazônia envolve os países que têm a floresta amazônica em seu território. Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, as Guianas e o Suriname, além do Brasil. O movimento social se apropriou desse conceito como sendo a luta desses povos.

Dourada

O diretor do festival, Jeft Dias, explica que para dar simbolismo ao pan-amazônico, o evento neste ano tem como tema Psica Dourada, em referência à espécie de peixe que nasce nos Andes, percorre rios, incluindo o Amazonas, até chegar à Baía do Marajó, no Pará, onde se reproduz, e volta para a cordilheira dos Andes, em uma jornada de 11 mil quilômetros.

“Esse ciclo é muito representativo, acaba conectando vários países da Amazônia”, ressalta. O diretor faz uma analogia entre o ciclo de vida da dourada e a cultura pan-amazônica.


Belém (PA) 13/12/2024 - Show da cantora peruana Rossy War no Festival Psica 2024, na Cidade Velha. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Show da cantora peruana Rossy War, na Cidade Velha. Foto – Fernando Frazão/Agência Brasil

“A gente pode falar de como a cultura vai se influenciando e se retroalimentando, como a gente recebe, aqui no Pará, a influência da Colômbia, do Peru, da Guiana Francesa, com diversos ritmos musicais, cúmbia, zouk, salsa, merengue”, exemplifica.

“A gente cria as nossas coisas, a gente cria lambada, guitarrada, tecnobrega, calipso, todos esses ritmos que envolvem a nossa cultura aqui e, em algum momento, isso sai daqui também, volta para Iquitos, no Peru, vai para a Colômbia, Guiana, Suriname, é a volta da dourada”, completa.

O belenense Marcello Victor Coelho acompanhou o cortejo e considera que a atração pelas ruas da Cidade Velha representa a junção da cultura latina e “ascensão da cultura nortista como um todo”.

“Eu acredito que o tema desse ano – a dourada – o peixe que conecta todos esses países latinos, tende a criar uma conexão maior com as pessoas, um clima de turismo pré-COP30 em Belém”, disse Coelho à Agência Brasil, se referindo à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que será realizada de 10 a 21 de novembro de 2025 na capital paraense.

Resistência indígena

Enquanto o vento agitava as águas da Baía do Guajará, no palco do Píer das 11 Janelas (recebe esse nome por ficar perto do prédio histórico chamado Casa das 11 Janelas), a cantora indígena Djuena Tikuna se apresentava acompanhada pelo grupo de percussão Trio Minari. A música cantada na língua mãe, o tikuna, recebia a contribuição de instrumentos sonoros indígenas e reprodução do som de pássaros e da natureza.

Para Djuena Tikuna, que é do Amazonas, poder cantar na língua materna no festival é uma forma de resistência.


Belém (PA) 13/12/2024 - Show da cantora de música indígena Dijuena Tikuna no Festival Psica 2024, na Cidade Velha. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Dijuena Tikuna, cantora de música indígena, no palco da Cidade Velha. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

“É isso que eu tenho feito através da minha língua materna, a língua que eu canto, a língua que eu valorizo, a língua que eu falo”, disse a cantora originária, que pediu a união dos povos.

“A gente precisa se unir para poder mostrar a nossa realidade para o mundo, principalmente aqui onde vai acontecer a COP30. As pessoas precisam conhecer a realidade que os povos que vivem aqui sofrem”, afirmou.

Atração internacional

O Festival Psica está na 13ª edição. O evento, que recebe apoio do Ministério da Cultura e patrocínio da Petrobras e do Nubank, tem atrações internacionais pela primeira vez. Uma delas é a cantor peruana Rossy War, que agitou a Praça Felipe Patroni.


Belém (PA) 13/12/2024 - Show da cantora de música indígena Dijuena Tikuna no Festival Psica 2024, na Cidade Velha. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Festival Psica 2024, por Fernando Frazão/Agência Brasil

As canções da artista conhecida como “rainha da cúmbia”, estilo parecido com a lambada brasileira, era acompanhada em coro por milhares de pessoas, que se dividiam entre dançar e filmar a apresentação com os telefones celulares. Rossy War foi uma das inspirações no início de carreira da cantora Joelma.

Os palcos da sexta-feira levaram aos belenenses e turistas outras atrações como tecnobrega – estilo nascido no Pará que une o brega à música eletrônica, funk, carimbó, aparelhagem (performance que junta dançarinos, música eletrônica e pirotecnia) e as estrelas de Parintins: os bois Caprichoso e Garantido.

Mangueirão

O Psica 2024 se estende pelo sábado (14) e domingo (15), com shows no Estádio do Mangueirão. Diferentemente da Cidade Velha, há a cobrança de ingressos. Entre as atrações estão nomes consagrados, como Pablo Vittar, Liniker, BaianaSystem, Banda Black Rio & Tony Tornado, e uma das mais famosas paraenses, Fafá de Belém, entre outros.

“Nossa proposta, desde o início, sempre foi essa, envolver os ritmos locais, mas também ter os grandes artistas nacionais”, define o diretor do festival Jeft Dias, fazendo questão de lembra que o evento surgiu de comunidades periféricas da Amazônia, inclusive com a presença da cultura negra.

*Equipe da Agência Brasil viajou a convite da Petrobras

 

Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos


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“Já vi situações extremas, mas eu nunca tinha visto nada tão forte quanto agora”.

A frase de Francisco Wataru Sakaguchi, agricultor de Tomé-Açu, no nordeste da Amazônia paraense, dá o tom do que representaram as queimadas e incêndios florestais este ano. Sakaguchi tinha agendado uma palestra em Manaus no início de dezembro, mas teve que cancelá-la de última hora para impedir que o fogo chegasse na propriedade dele. Os esforços deram resultado, mas outros vizinhos não tiveram a mesma sorte.

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“A minha situação está resolvida, fiquei mais protegido. Mas muita gente perdeu tudo. A gente presencia o desespero das pessoas, perguntando o que vai ser da vida delas dali para frente. E tudo o que a gente pode fazer é dar um apoio moral”, disse o agricultor, em vídeo enviado para a TEDxAmazônia.

Dados do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que em 2024  a Amazônia teve o maior número de focos de calor dos últimos 17 anos. Até o início de dezembro foram 137.538, o que inclui queimadas, controladas ou não, e incêndios florestais. O período só não foi pior do que em 2007, quando foram registrados 186.480 focos.

Em relação a 2023, houve aumento de 43%. Em todo o ano passado, foram 98.646 focos. Em 2024, a maior parte dos registros ocorreu entre julho e novembro, com números acima da média histórica. Só em setembro foram 41.463 focos. A média para o mês é de 32.245.

A Amazônia é o bioma mais impactado, com 50,6% de todos os focos do país. Logo na sequência, vem Cerrado (29,6% / 80.408 focos), Mata Atlântica (7,7% / 21.051), Caatinga (6,5% / 17.736), Pantanal (5,3% / 14.489) e Pampa (0,2% / 419). E não se trata apenas de ter o maior número de focos, mas da capacidade de reagir ao fogo.

“A Floresta Amazônica é do tipo ombrófila, por ser muito úmida. Ela tem vários estratos que impedem a passagem do vento e é mais sombreada. Caso o fogo ocorra e se propague nela, o impacto é muito maior. Porque ela não tem adaptações de resistência ao fogo. A casca é mais fina, as folhas são mais membranosas. Diferentemente do Cerrado, que é uma vegetação dependente do fogo e evolui em dependência dele. A vegetação tem casca mais grossa, as gemas são protegidas”, explica o engenheiro Alexandre Tetto, coordenador do Laboratório de Incêndios Florestais (Firelab) e do Laboratório de Unidades de Conservação (Lucs) no Setor de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O Pará, que tem como bioma predominante a Amazônia, é o estado que lidera em número de focos de calor: 54.561. Os municípios mais impactados são os de São Félix do Xingu (7.353), Altamira (5.992) e Novo Progresso (4.787).

Nas últimas semanas, o céu paraense foi coberto por uma fumaça densa, oriunda das queimadas e incêndios florestais. A maior parte está relacionada ao desmatamento ilegal da Amazônia. A qualidade do ar ficou comprometida em diversas cidades. Santarém ganhou destaque pelos números altos de concentração de poluentes e teve decretada situação de emergência ambiental.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), no dia 24 de novembro, a poluição do ar no município foi 42,8 vezes superior à diretriz anual de qualidade do ar da Organização Mundial de Saúde (OMS). A Secretaria Municipal de Saúde disse que, entre os meses de setembro e novembro de 2024, Santarém registrou 6.272 atendimentos relacionados a sintomas respiratórios.

Brigadistas
 


Amazônia-11/12/2024 Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos.  Foto:  Agência Santarém.

Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos. Foto: Agência Santarém.

Daniel Gutierrez, faz parte da brigada voluntária de Alter do Chão, um dos distritos administrativos de Santarém. O grupo existe desde 2018 e tem lidado cada vez mais com episódios de fogo na região e arredores. Na semana passada, um esquadrão precisou ser enviado à Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns para ajudar a combater três incêndios. O grupo se juntou às equipes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e às outras brigadas de locais próximos.

“A gente que vive aqui, sentiu que aumentaram muito as queimadas. E, agora, parece que estacionou uma nuvem. A fumaça que a gente sentiu nos últimos meses, eu nunca tinha visto antes, em dez anos morando aqui. As pessoas que são daqui e vivem há muito mais tempo do que eu, também nunca tinham visto. Esse ano foi muito pior”, relata Gutierrez.

O brigadista destaca que é preciso melhorar as investigações sobre os focos de incêndios e queimadas, porque eles são majoritariamente provocados pela ação humana.

“A vegetação fica seca e mais propensa a pegar fogo. Mas alguém provoca, não tem fogo natural. Fogo natural na Amazônia é de raio. Só que quando tem raio, tem chuva. Pode acontecer um fogo com raio? Pode. Eu só vi uma vez aqui em Alter do Chão, em um dia que não choveu. Mas é uma exceção da exceção”, diz o brigadista.
 


Amazônia-11/12/2024 Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos. Fumaça de queimadas em Santarém. Foto: Agência Santarém.

O Pará, que tem como bioma predominante a Amazônia, lidera em número de focos de calor. Foto: Agência Santarém.

Focos de calor

O engenheiro florestal Alexandre Tetto explica que as condições climáticas em 2024 foram favoráveis para a propagação do fogo, seja ele natural, legal ou criminoso.

“Picos de focos de calor ocorrem em função de duas coisas. Maior disponibilidade material combustível, quer dizer, você tem mais vegetação para queimar. E condições meteorológicas: temperaturas mais altas, umidade relativa do ar mais baixa, velocidade do vento maior, e estiagem, tempo maior sem precipitação. Tudo isso acaba possibilitando a maior ocorrência e propagação dos incêndios”, diz o especialista.

O fogo pode ser usado de forma controlada e autorizada em determinadas condições meteorológicas. Quando o índice de incêndio está baixo ou médio, a queima controlada pode ser feita com mais segurança.

“A queima controlada e autorizada tem uma série de funções e objetivos no campo, desde melhoria do habitat para fauna, manejo de vegetação, abertura de área para agricultura de subsistência. Inclusive para a FAO [Food and Agriculture Organization, das Nações Unidas], a queima controlada é vista como uma forma de reduzir a pobreza, por possibilitar ao pequeno agricultor abrir uma área com baixo custo, de uma forma relativamente segura”, explica Alexandre.

Tempo de extremos


Amazônia-11/12/2024 Amazônia tem o maior número de queimadas e incêndios em 17 anos. Francisco Sakaguchi. Reprodução de vídeo, arquivo pessoal.

Francisco Sakaguchi conta que chegada da chuva esta semana ajudou a impedir que fogo se propagasse Foto: Agência Santarém.

Em Tomé-Açu, onde vive o agricultor Francisco Sakaguchi, a chegada da chuva esta semana ajudou a impedir que o fogo se propagasse e causasse danos ainda maiores. Mas os acontecimentos climáticos extremos e inéditos deste ano não deixam boas perspectivas para o futuro.

“Nunca vi o meu lago secar. Tem umas áreas de brejo, alagadas, que tem muito açaí. Nunca vi o açaizeiro, que eu sempre andei quando criança e andava dentro do igapó, morrendo pela seca. E esse anos, eu estou vendo isso”, relata Francisco. “Nós aqui da comunidade sempre tivemos preocupação de medir índice pluviométrico, umidade relativa do ar. A gente usa isso como ferramenta da nossa agricultura. E eu nunca vi na minha vida, a umidade relativa do ar ser abaixo de 50% aqui na nossa região. E esse ano teve dias que marcaram 42%. Foram cento e cinquenta dias sem chuvas”.

Notas

A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará disse que o combate às queimadas em Santarém e outras regiões do estado foi intensificado. Desde o fim de novembro, as operações receberam um reforço de “40 novos bombeiros, totalizando 120 profissionais na linha de frente, distribuídos em cinco frentes de trabalho. Além disso, oito novas viaturas e abafadores de incêndio foram incorporados às três já em operação, com o suporte adicional de dois helicópteros no combate aéreo. O monitoramento é realizado em tempo real via satélite, garantindo uma resposta ágil e coordenada aos focos de calor”.

A nota diz ainda que “somente 30% do território do Pará está sob jurisdição estadual. Os outros 70% são federais, o que demanda uma coordenação de esforços com a União. Neste sentido, o estado solicitou em setembro deste ano o apoio do governo federal com recursos para reforçar o combate às queimadas no estado. Além disso, a gestão estadual faz parte do Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional Nacional (CIMAN), coordenado pelo governo federal, que reúne representantes dos estados e de órgãos federais como Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, ICMBio, FUNAI, CENSIPAM e INCRA, para discutir linhas de trabalho e atuações em conjunto para o combate às queimadas”.

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente disse que “em 2024, desde o início das ações de combate aos incêndios na Amazônia, o governo federal mobilizou mais de 1.700 profissionais, disponibilizou 11 aeronaves, mais de 20 embarcações e mais de 300 viaturas, além de combater 578 incêndios de grandes proporções. É importante ressaltar que a resposta foi iniciada em 1º de janeiro de 2023, com a criação da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas. Atualmente, 500 profissionais atuam no combate aos incêndios no Pará e no Maranhão”.

A pasta também disse que em junho, o governo federal assinou “um pacto com governadores para combater o desmatamento e os incêndios no Pantanal e na Amazônia”. Em julho, foi sancionado o Projeto de Lei n° 1.818/2022, que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. O Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo, previsto pela política, foi instalado pelo governo federal em 9 de outubro e já realizou duas reuniões”. Além disso, assinou, em setembro, uma medida provisória “que autoriza crédito de R$ 514 milhões para o combate aos incêndios na Amazônia, incluindo R$ 114 milhões para o MMA. Uma terceira MP, assinada em novembro, flexibiliza a transferência de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) para estados e municípios em regiões com emergência ambiental, priorizando a agilidade no combate aos incêndios”.

* A equipe viajou a convite da CCR, patrocinadora da TEDxAmazônia 2024.